segunda-feira, 15 de setembro de 2014
sábado, 9 de agosto de 2014
A mesa de matraquilhos
Actualmente, os
arcos que se vêem na casa no centro da imagem estão fechados por uma espécie de "marquise", ali mandada
colocar pelo proprietário para ter mais espaço ou, mais provavelmente, para
evitar que aquele alpendre debaixo da varanda fosse usado e de certeza conspurcado por quem quer que passasse no local ou ali se abrigasse da chuva ou do sol.
Nem sempre foi assim. Há uns anos, existia ali um café e até uma pequena
mercearia ao lado. Junto à entrada do
café, ficava uma bancada ou poial onde os clientes ou simples passantes se
sentavam. Detrás do pilar central da varanda, mesmo no meio do alpendre,
costumava estar uma mesa de matraquilhos, muito concorrida especialmente aos
fins-de-semana, quando era costume juntar-se mais gente. Quem vir o local agora
não faz uma ideia do movimento que ali existia há quarenta ou cinquenta anos.
Antes da construção das capelas nas aldeias — aí pelos anos 60 — e da posterior
e crescente perda de frequentadores pelo serviço religioso, a gente das aldeias
vinha à missa ao domingo na igreja matriz da vila. O caminho era feito a pé.
Nesse tempo em que mal sabíamos o que era um automóvel e apenas uma ou duas pessoas na vila eram donas de tal luxo, as caminhadas eram uma necessidade e não um exercício.
Quando não estava em serviço, a mesa de matraquilhos costumava ter colocada uma
tampa feita de tábuas e um painel de contraplacado. Como seria de esperar, era
um espaço precioso para rabiscar com a esferográfica ou, mais raramente, com a
"caneta de feltro". Para além das habituais referências a esta ou àquela
parte da anatomia humana e outros dizeres do género, havia quem se dedicasse a
desenhar. E havia quem o fizesse com grande mestria.
Recordo-me — parece que a estou a ver neste momento — da caricatura de um
velhote que costumava andar por ali e não falava com ninguém, tendo até fama de
reagir mal se alguém se metesse com ele. O velhote deslocava-se muito devagar,
em passos muito curtos e tinha uma pequena "marreca" que lhe dava uma
postura peculiar. A caricatura representava-o quase de costas, marcando bem
essa visão que tínhamos do velhote no largo por onde quase sempre andava.
O autor da caricatura não fez apenas essa. A habilidade que tinha para o
desenho deixava-nos por vezes pasmados e com uma pontinha de inveja.
Nunca mais o vi desde essa época. A desertificação não é uma palavra vã nem
sequer recente. Dali quase todos saímos — a estudar ou a trabalhar — para zonas
mais desenvolvidas do país, normalmente a capital, ou para o estrangeiro.
Alguns dos que o tinham feito antes de nós já regressaram, mas uma boa parte
fica "por lá", onde tem a família, a casa, a vida. A terra natal é,
para muitos, quase sempre uma saudade poucas vezes quebrada.
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